Barbara Coimbra



O Sonhar de uma morte-vida.

, num apartamento ou estúdio, em que nada é confuso ou vazado como em outros sonhos, mas limpo e claro e mágico, um lugar meio mágico, com panos vermelhos e ar místico, pessoas brancas, bonitas e jovens, assim meio ciganas. Mulheres. E uma em especial, mais branca, jovem e bonita que as outras daquele cabaré, que me desenhava o corpo com flores de areia, numa tensão sexual que me subia a espinha.

E uma janela em que um velho cigano olha fixamente para um ponto onde nada vejo e me diz, sem nunca me olhar, que está se aproximando, me diz o que, aonde, quando e como, me explica o Mundo e Eu e a Verdade.

E a tensão sexual sumiu. Tudo que ele me disse foi sumindo gradativa e paulatinamente do meu consciente, fui tomada por um desespero, uma vontade insana de saber, pergunto por ele à mais linda das mulheres que ainda desenha em minhas pernas e ela diz, e disso não esqueço: “Ele morreu sua morte definitiva. Caiu na não existência.” E eu pergunto como, que não o vi caindo, nem nada, e se há um segundo atrás observava a janela ao seu lado, como voltei a estar sentada na cadeira com ela aos meus pés. Mas ela sorriu e me disse: “Você não vai se lembrar, não só do que ele te disse, mas aos poucos, vai esquecer até mesmo da existência dele. Porque você está viva, e vai recordar-te apenas quando estiver morta de sua primeira morte.”

Estava ele olhando nos olhos do homem que tinha seus olhos escondidos pelas sobras e seus cabelos, num negro, eram emaranhados. À medida que o olhava, Felipe ia sendo coberto por uma fina camada de areia, uma areia que continha todas as cores do inimaginável, fazia um degrade e, me lembro bem, que formava fundas olheiras escuras e roxas e azuladas no contorno de seus olhos, mas não era conseqüência de enfermidade, insônia, cansaço físico ou mental. Ele estava morrendo. Morrendo sua primeira morte, passando para um outro estado ou plano ou o quer que seja que ainda não tenho certeza de como chamar.

Eu pedia para que ficasse comigo, se quisesse, ele conseguiria resistir com facilidade ao olhar daquele de olhos escondidos nas sombras. Mas ele me dizia com tom de ternura numa voz calma: “estou indo para você, para não esquecer o que ele te disse.” Lembro de ter vontade de chorar, e ouvi-lo dizer que sem saber Aquilo, não teria motivos para viver, não viver essa vida de ruas e pessoas caminhando preocupadas com besteiras e tendo pensamentos conexos e construídos pela razão.

Olhei-me num espelho velho e sujo, e percebi que enquanto ele me olhava com os olhos de ternura e amor, manchas lívidas de areia em cores de todas as cores, escuras e roxas e azuladas apareciam nas pálpebras inferiores dos meus olhos, não em conseqüência de enfermidade, insônia, cansaço físico ou mental. Eu estava morrendo. Morrendo minha primeira morte.

Aquela sensação de morrer uma morte-vida foi a melhor coisa que já senti.
Da mesma forma que ver o rosto do Felipe coberto da areia de cores de todas as cores, e meu próprio rosto no estado reversível, mas semelhante, foi a coisa mais bonita que já vi.

Agora eu era Inês e estava Morta, precisava passar pela prova de que merecia aquela Morte-vida e caso não passasse cairia de vez na Não-Existência. Continuava sem lembrar do que o velho cigano havia me dito, conservava a única certeza de que o que ele me dissera, era a Verdade e que sem ela não haveria motivos de existir.
Morri pelos olhos do Felipe, e por isso, minha prova era a mesma dele. Devíamos passar pela Esfinge, mas não havia enigma, precisávamos matá-la. Com uma espada, ele me protegeu e a matou em pouco tempo, mas sua perna sangrava e eu, senti vontade de chorar por não ter podido ajudá-lo.

Longe dali, no mundo onde as pessoas caminham preocupadas com besteiras e têm pensamentos conexos, construídos pela razão. Junto aos outros, ouvi uma música, muito bonita, bem conhecida, dessas que se ouve a vida toda – se, como eu, tiver pais, jornalistas esquerdistas boêmios ou sinônimos – descrevia em uma frase toda a sensação de morrer uma morte-vida: Eu tropecei no céu como se ouvisse música.

Ainda não lembro do que o velho cigano me disse, conservo a única certeza de que era a Verdade.

3 Comments:

At 4:36 PM, Blogger Barbara Coimbra

não tenho uma harley davidsons, obrigada.

 
At 10:28 AM, Anonymous Anônimo

ela tem harley quinns.

(não comentarei sobre o texto, já falei com você)

 
At 3:15 PM, Blogger Barbara Coimbra

Não perdi meu harleywish.

 

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