Barbara Coimbra



O Roubo da Caixinha

Sobre o texto a seguir:
Encontrei-o novamente, quase que sem querer. Tinha salvo na pasta errada e não reconheci o título, que foi dado por mim diante daquelas palavras sem título. Apesar da troca infame de nomes, da raiva toda que senti quando me vi descrita como "Luisa" enquanto ele era Cortázar, deixei o rancor que sentia por ela de lado e guardei o texto, que me embrulha o estomago numa mistura de sentimentos, e dúvidas.




Queimava aqueles pedacinhos de papel como se fosse uma criança, os dedinhos pretos das cinzas na boca, e de novo nas cinzas, olhinhos de criança brilhando, de criança sonhando, criança escrevendo e vivendo, e todos os vários contos de fadas que eu contava , todos os vários contos de fadas que me contavam e que sabia que no fundo era sempre eu mesmo, sempre isso tudo de interno e vivo que não faz diferença pensar e dizer e comer, mundo, que não faz diferença , mesmo assim tão distraído, mesmo sorrindo e se queimando até acabar com toda a parte branca do papel, toda parte viva , tudo aquilo que não quero mais, e ficar parado admirando o fogo, mais um fósforo, dedo na boca, e agora já uma expressão aliviada de quem tira um peso das costas, quem ignora os reclames dos sentidos e tenta moldar a sua maneira aquilo de existência que acredita ter em si, com um olho só colocando o dedo na pequena fogueira de desejos que desenhou no chão do seu quarto, alguma dor , um pouco de orgulho, mas no fim acabava tendo que tirar o dedo numa tácita aceitação de que não era capaz de ir além de meia dúzia de sons e imagens e sensações e [ que sofro mais por estar sofrendo do que necessariamente pelo motivo do meu sofrimento { Julio Garcia : natural do equador, de uma dessas cidades esquisitas que ninguém conhece o nome, o próprio Julio não lembra nada de lá, residente no Brasil desde os 2 anos de idade, atualmente com 25 , Rio de Janeiro, Botafogo, Funcionário Público, e nas horas vagas – na realidade só mesmo nesse instante – queima papéis que pertenciam a uma tal caixa de desejos}] E a caixa de desejos, caixa de madeira, tão pequena que não podia guardar muita coisa, e devia ser por isso que tratava logo de realizar os pedidos que eram amontoados no seu interior como que desafiando-nos a colocar mais, a duvidar de sua potencia, a nos perdemos gradativamente no absurdo de uma crença vazia, num conjunto de sensações, e que se não fosse pelo fator empírico de suas realizações não significariam nada. Caixa de madeira no chão. Pequena pilha preta de papel queimado, de fogo apagado e Julio na cozinha passando detergente no dedo que ardia, pensando se aquilo funcionava mesmo e sentindo-se melhor por alguns segundos até a ardência começar a surgir novamente, assopra, olha a merda que eu fiz, precisava ficar brincando de Deus, e a sensação de derrota , de realidade suja e besta num apartamento ferrado de zona sul carioca, um olhar para o lado como se estivesse fugindo do que via, e de novo os papéis e a caixa e a tristeza que sucede o prazer, arrependimento de qualquer coisa que não se arrependia mas que a situação tornava tudo tão desconcertante e absurdo que se sentiu por algumas horas condicionado a sentar-se num canto qualquer do quarto e olhar para uns livros na prateleira pensando em como é que tinha conseguido chegar até aquele ponto; Algumas lagrimas escorreram [ . ] Ás duas horas da manhã estava dormindo abraçado à caixa de madeira, fazia calor e o ventilador não funcionava, o ar condicionado estava desligado – dinheiro escasso – , o cabelo despenteado e eu suando que nem um porco fudido, uma goteira no andar de cima, uns latidos de cachorro na rua, um lençol velho cobrindo o meu corpo, canetas, borrachas, computadores, e sei lá quais milhões de outras coisas que não mudariam em nada o rumo da história, a não ser é claro se estivesse falando do telefone, sim, o telefone , o telefone que tocava, tocava, e tocava mais uma vez, e mais uma, e só depois da próxima Julio resolveu levantar-se para atender.

(com uma voz sonolenta)Alo?
Um “oi” meio choroso do outro lado
Luisa?
(baixinho) sim sou eu...-silêncio-(respira fundo antes de ir direto ao assunto)Você pegou a caixa?- aquela vozinha chorosa
Peguei, desculpa.
(sem muita alteração) Ta, você pode me entregar amanhã?- silêncio - Julio?
silêncio
(sopro no telefone)Eu queimei os seus desejos...
Os que tinham o seu nome?
Não, todos. (silêncio) Nem cheguei a ler.
(longo silêncio)
Tudo bem, mas leva a caixa lá pra casa amanhã.
Eu levo.
Beijo.
Silêncio.
Tchau! Cleckt. Telefone no gancho, Julio voltando a dormir.

Chico Motta

9 Comments:

At 11:49 AM, Blogger O Último

Tem um bagulho especial que daí quem comenta preenche um texto e tira os spams de comentário.

Chuac estrelado.

 
At 1:49 PM, Blogger Barbara Coimbra

seria bom, né?

 
At 12:41 PM, Anonymous Anônimo

Deleta esse post.

 
At 12:56 PM, Anonymous Anônimo

(não mande mais e-mails também)

 
At 1:24 PM, Blogger Barbara Coimbra

não seja desrespeitoso

 
At 1:33 PM, Anonymous Anônimo

só se você usar palavras menos mongóis que desrespeitoso...

 
At 1:43 PM, Blogger Barbara Coimbra

estupido.

 
At 12:41 AM, Anonymous Anônimo

Espero que isso se resolva...

 
At 9:44 PM, Anonymous Anônimo

eu não era cortazar...

 

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